Paulo
Paim
16/05/2013
Sim, um outro sistema prisional é possível (1ª parte)
É fato que o sistema prisional
brasileiro é hoje claramente inadequado e não atende aos objetivos de punir e
de ressocializar.
E
a culpa é dos Agentes de Segurança. É mais fácil e mais barato jogar a culpa
nos peões de menor hierarquia. (grifos nossos)
Segundo relatório de 2009 da ONG Human
Rights Watch (HRW), as prisões no Brasil estão em condições desumanas. São
locais de tortura física e psicológica; violência; superlotação; péssimas
condições sanitárias e de ventilação; má-alimentação; abandono material e
intelectual; proliferação de doenças nas celas; maus tratos; ociosidade;
assistência médica precária; pouca oferta de trabalho; e analfabetismo.
E
ainda continua: a culpa é dos Agentes de Segurança. É mais fácil e mais barato jogar a culpa nos peões de menor hierarquia
de modo a proteger interesses diversos. (grifos nossos)
Como se não bastasse, há situações
esdrúxulas, como mulheres presas junto com homens ou homens presos em contêineres,
bem como desproporcionalidade na aplicação de penas e prisões cautelares sem
motivação adequada e por mais tempo que o previsto.
O quadro desenhado pela HRW em 2009 é o
mesmo que foi pintado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, que visitou
entre os dias 18 e 28 de março deste ano várias instalações prisionais no
Brasil, incluindo-se, aí, prisões, delegacias, centros de detenção e
instituições psiquiátricas, em Campo Grande, Fortaleza, Rio de Janeiro, São
Paulo e Brasília.
Há
Estados em que a máscara funciona melhor. Toma-se uma ou duas unidades como
modelos e multiplicam-se propagandas para impor entendimento de que todas as
outras (aproximadamente 200 unidades carcerárias) apresentam as mesmas
condições que aquelas duas modelos. (grifos nossos)
A prisão é uma das várias formas que o
direito penal estabelece como punição a condutas consideradas incompatíveis com
a vida em sociedade. A prisão é destinada para aqueles indivíduos que agiram
mais gravemente, causando danos consideráveis aos seus semelhantes, tornando necessário
que sejam isolados do convívio social.
A perda de liberdade é pena terrível,
seja por um dia, seja por um mês, seja por um ano, seja, quem sabe, por trinta
anos. Mas a prisão foi criada como instituição modernizadora em razão dos
ideais iluministas do século XVIII e XIX. Basta lembrar que antes do conceito
moderno de prisão, vigoravam, por exemplo, penas como banimento, degredo,
submissão a suplícios corporais, mutilações, bem como a possibilidade de penas
serem passadas de pai para filhos e outros elementos claramente desumanos.
A obra literária Os miseráveis, do
escritor francês Victor Hugo, é representativa dessa realidade e mostra os
horrores da pena de galés, ou seja, trabalho forçado.
A pena de prisão, pois, veio como um
progresso, uma forma de concretizar as ideias do iluminismo, como a crença no
progresso, na razão e na possibilidade de recuperação e melhora do indivíduo.
A pena de prisão, portanto, não
representava apenas a punição, mas a sugestão da possibilidade de que os
infratores poderiam ser reeducados e recuperados para o convívio social sadio.
É inegável que em determinadas
situações não existem alternativas: é preciso punir com a pena de prisão. A
questão é que justiça é outra coisa, pois, lembrando o título de um livro de
autoria de Simon Wiesenthal, Justiça não é vingança.
Justiça exige que o Estado saiba se
comportar e saiba tratar de maneira adequada os cidadãos que se encontram sob
sua custódia. Essa, aliás, é a base do Estado Constitucional, o qual
estabelece limites claros para as ações estatais. O Estado não pode tudo.
O Estado deve se restringir aos limites que lhe são impostos por
uma sociedade democrática e que estão estabelecidos em um texto constitucional.
Em nosso caso, o Estado deve,
sobretudo, se ater àquilo que está na Carta de 1988, cujo tijolo fundamental,
sobre o qual se estruturam todos os outros, é o princípio da dignidade da
pessoa humana. Desrespeitado esse princípio, a democracia se desfaz no ar.
O jurista brasileiro George
Marmelstein, em seu Curso de direitos fundamentais, estabelece que a dignidade
da pessoa humana se manifesta pelo respeito à autonomia da vontade, pelo
respeito à integridade física e moral, pela não “coisificação” do ser humano e
pela garantia do chamado “mínimo existencial”.
Infelizmente, a dignidade da pessoa
humana é algo escasso nas prisões brasileiras, a despeito das garantias
prescritas tanto na Constituição, quanto na legislação penal.
Como observa o jurista Walter
Maierovitch, “na nossa lei de execução penal está escrito, entre tantos
dispositivos (…) ter o preso direito às assistências material, educacional,
social, à saúde, jurídica e religiosa, além do apoio ao egresso do sistema, até
para evitar a recidiva (…) quanto às celas, está estabelecido que sejam
individuais, com seis metros quadrados de área mínima, salubridade do ambiente
por meio de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência
humana”.
Além disso, o próprio texto
constitucional, no artigo 5º, assegura aos presos o respeito à integridade
física e moral, além de vedar a prisão perpétua, e as penas de trabalhos
forçados, de banimento ou que sejam cruéis.
A realidade não condiz com o disposto
em nossas leis. Os números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram a
existência de 514 mil presos e de apenas 306 mil vagas, ou seja, um sistema
carcerário superlotado e com presos vivendo em condições degradantes.
Esse quadro de superlotação é tão grave
que em fevereiro último o Supremo Tribunal Federal convocou audiência pública
para discutir o cumprimento de penas em regime mais vantajoso ao condenado nos
casos em que o Estado não tem vagas suficientes para acomodar presos no regime
semiaberto.
Por outro lado, esse número superior a
500 mil encarcerados não significa que a polícia seja eficiente. Pelo contrário.
Mas, isso é assunto para a segunda parte deste artigo.
Paulo Paim é senador pelo PT-RS
Postado por Olivar Dias
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